Presidente da Comissão Nacional do Idoso do IBDFAM, Maria Luiza Póvoa Cruz, critica obrigatoriedade de separação de bens em casamento de pessoas com mais de 70 anos
A população do Brasil está envelhecendo e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas com 65 anos ou mais representam 10,2% da população. Agora, o país passa por uma inversão na pirâmide etária: o Brasil era um país jovem e hoje, cada vez mais, se torna uma nação de idosos.
Diante dessas mudanças sociais, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos e a aplicação dessa regra às uniões estáveis é constitucional. Ainda não há data prevista para o julgamento do mérito da controvérsia jurídica.
Atualmente, a pessoa com mais de 70 anos que se casar não pode escolher um regime de bens. De acordo com o artigo 1.641 do Código Civil, ela deve submeter-se ao regime de separação obrigatória de bens.
Para a juíza aposentada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a velhice não é uma etapa que representa o fim da vida, mas sim um momento que carece de ressignificação, principalmente no regime de separação de bens.
“Acredito que seja uma forma de ignorar os direitos dos idosos e considerá-los inaptos para fazerem suas escolhas, ferindo sua autonomia. Temos que, na verdade, celebrar as parcerias, os encontros e as escolhas dos mais velhos como uma demonstração da potência e das possibilidades desta idade”, afirmou em entrevista à Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
De acordo com Cruz, a obrigatoriedade da separação de bens em casamento envolvendo pessoa com mais de 70 anos é motivada pela preservação financeira dos idosos, o chamado “golpe do baú”. Porém, a presidente discorda do argumento.
“Quem a defende afirma que a medida visa proteger pessoas idosas de relacionamentos que visam apenas interesses econômicos, mas desta forma ferem a autonomia delas e suas escolhas sobre como querem viver seus relacionamentos”, enfatizou.
A juíza aposentada sustenta que a idade avançada não pressupõe a incapacidade do indivíduo de exercer todos os atos de sua vida civil e que o artigo do Código Civil pode ferir o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
“Eu sempre questionei a separação obrigatória de bens no caso de casamentos e uniões estáveis de maiores de 70 anos, inclusive quando ainda atuava como juíza. Esse artigo fere a dignidade e a autonomia da pessoa idosa. Nós não podemos avaliar a capacidade de decidir de uma pessoa sob a ótica cronológica, somente”, ressaltou Maria Luiza.
A presidente da Comissão Nacional do Idoso pontua que, a partir do aumento da longevidade no Brasil, com a expectativa de vida da população masculina em 72,2 anos e a feminina em 79,3, segundo o IBGE, consequentemente há pessoas mais velhas participando da sociedade de forma ativa.
“Se uma pessoa, do alto dos seus 70 anos, está com plena autonomia de pensamento, ela tem o direito de escolher qual regime de separação deseja. Se a pessoa com 70 anos é capaz de votar, de pagar impostos, de assumir responsabilidades civis, ela também deve ser livre para dispor dos seus bens como acredita que seja melhor”, argumentou Cruz.
Saiba mais sobre a ação no STF
A ação de origem partiu de um inventário em que se discutiu qual deve ser o regime de bens a ser aplicado a uma união estável iniciada quando um dos cônjuges já tinha mais de 70 anos. O assunto é objeto de Recurso Extraordinário com Agravo, que teve repercussão geral reconhecida pelo plenário da Corte.
Na primeira instância, o regime geral da comunhão parcial de bens foi considerado aplicável, com direito de a companheira participar da sucessão hereditária com os filhos do falecido sob a tese, já fixada pelo Supremo, de que é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros.
O magistrado da primeira instância declarou, para o caso, a inconstitucionalidade do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que estabelece que o regime de separação de bens deve ser aplicado aos casamentos e às uniões estáveis de maiores de 70 anos, sob o argumento de que a previsão fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Ainda para o magistrado, a pessoa com 70 anos ou mais é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil e para a livre disposição de seus bens.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), porém, reformou a decisão, aplicando à união estável o regime da separação de bens, conforme o artigo 1.641. Para o TJ, a intenção da lei é proteger a pessoa idosa e seus herdeiros necessários de casamentos realizados por interesses econômico-patrimoniais.
O caso chegou ao STF, e a companheira pretende que seja reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo do Código Civil e aplicada à sua união estável o regime geral da comunhão parcial de bens.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Arpen-Brasil