Desembargador do TJSP, Marcelo Berthe, concedeu uma entrevista a Arpen/MA sobre a “Justiça 4.0”
No mês de novembro, corregedores dos tribunais trocaram experiências relacionadas ao teletrabalho; casamentos comunitários virtuais; cartórios digitais; SREI; Serviços de Apoio Centralizado; Central de Regularização de Vagas; Projeto “Sigma” e Laboratório de Inovação e Núcleos de “Justiça 4.0”, durante encontros que aconteceram em todas as regiões no país.
Nos eventos, magistrados de todo o país discutiram sobre boas práticas na prestação da Justiça e do serviço extrajudicial, com a participação de ministros do Superior Tribunal de Justiça, magistrados federais e estaduais e especialistas convidados.
Atualmente o mundo vive constantemente em uma evolução digital e com o Poder Judiciário não seria diferente. Com a pandemia, houve um avanço nas tecnologias utilizadas em cartórios, propiciando acesso mais fácil aos serviços oferecidos pelas serventias, evitando o deslocamento presencial do cidadão ao balcão do cartório.
Marcelo Martins Berthe, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que já atuou como juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), concedeu uma entrevista à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Maranhão (Arpen/MA), sobre o tema central dos encontros: “Justiça 4.0 – A transformação digital dos serviços do Judiciário brasileiro”.
Leia a entrevista:
ARPEN/MA – Qual a importância da presença digital nos dias de hoje, especialmente diante de uma pandemia?
Marcelo Martins Berthe – A presença digital hoje é inafastável e fundamental em todos os setores da atividade humana.
No âmbito do foro judicial, o Programa Justiça 4.0 tem viabilizado o enfrentamento da pandemia da Covid-19 pelo Poder Judiciário, com o objetivo de permitir uma maior eficiência na atividade jurisdicional. Suas ações estratégicas são permeadas, dentre outros aspectos, pela transformação digital, visando assegurar a continuidade da prestação jurisdicional durante a pandemia, além de garantir a que a eficiência adquirida e as inovações institucionais, organizacionais e tecnológicas implantadas continuem a prosperar uma vez declarado o fim da emergência epidemiológica.
Também no foro extrajudicial, a presença digital é fundamental à busca da excelência da prestação de serviços ao cidadão, a partir do implemento de plataformas e ferramentas das tecnologias de informação e comunicação que aproximam o cidadão das serventias e reduzam as barreiras geográficas e temporais de acesso aos serviços ofertados pelos cartórios.
Por fim, não podemos esquecer o papel relevante da presença digital para que o foro extrajudicial se envolva na desjudicialização de demandas, a exemplo dos divórcios, inventários, partilhas, recuperações de crédito e usucapião.
ARPEN/MA – Como a tecnologia ajudou nas atividades essenciais na pandemia?
Marcelo Martins Berthe – A tecnologia subjacente à transformação digital possibilitou muito mais que o enfrentamento de situações de aglomeração de pessoas em espaços limitados. Além disso, viabilizou verdadeira revolução no atendimento online, incrementando as possibilidades de acesso, como também provocando o aprimoramento dos fluxos de trabalho das serventias.
A par da Central de Informações do Registro Civil, instituída pelo Provimento 46, de 16 de junho de 2015, responsável pela interoperabilidade entre os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais e o intercâmbio de documentos eletrônicos, além do tráfego de informações e dados, a prática de atos notariais passou a ser possível na modalidade eletrônica desde a edição do Provimento 100, de 26 de maio de 2020.
Outrossim, acompanhando a tendência de globalização, as atividades relacionadas à Convenção da Apostila de Haia, que visa a eliminação de exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, vem passando por inovações importantes, dentre as quais destaca-se a e-apostila.
Por outro lado, a entrada em funcionamento do SAEC é mais um exemplo de como a tecnologias de redes e de protocolos de comunicação têm permitido a interoperabilidade de diferentes sistemas que permitem o “diálogo” eletrônico do cidadão, delegatário, magistrados, agentes públicos e atores do mercado.
Por fim, lembramos que a Corregedoria Nacional tem agido de maneira muito presente, prorrogando a validade de normas sobre a atuação dos cartórios na pandemia, a exemplo dos Provimentos 114, 117, 123 e 125/2021, que alargaram a vigência de diversos atos normativos editados no ano de 2020.
ARPEN/MA – Qual a importância de os cartórios oferecerem serviços de forma eletrônica?
Marcelo Martins Berthe – A gama cada vez mais vasta da oferta de serviços eletrônicos pode ser mensurada direta ou indiretamente de diversas formas. O aumento da segurança jurídica, o ganho de celeridade na prestação de serviços, a facilidade de acesso para os usuários, o incremento da sustentabilidade ambiental da atividade notarial e registral (capaz de contabilizar as benesses da redução dos deslocamentos, economia de energia, redução da emissão de gases de efeito estufa e do uso de papel), além da promoção de ambiente favorável à inovação são fatores que necessariamente evidenciam a relevância da prestação de serviços de forma eletrônica.
ARPEN/MA – Na pandemia, muitos atos passaram a ser feitos de forma eletrônica, facilitando o acesso da população aos serviços prestados pelos cartórios. Esses serviços continuarão sendo disponibilizados de forma digital mesmo após a pandemia?
Marcelo Martins Berthe – Sim. A quase totalidade de serviços deve continuar sendo ofertada online após a pandemia. Os delegatários e os cidadãos não ficariam satisfeitos com a volta ao passado, que seria considerado um retrocesso legal, cultural e econômico.
Ouso citar apenas alguns exemplos que poderiam merecer maior reflexão, como o casamento online, sobre o qual pode-se questionar, em condições normais de saúde pública, a necessidade de manutenção dos parâmetros da presença física e da publicidade (“portas abertas”) como fator inerente à validade do ato.
Do ponto de vista econômico e social, minha reflexão é que a superação da pandemia será determinada também pela continuidade e reforço da transformação digital. Nesse sentido, o Programa Justiça 4.0 prenuncia os avanços que devem continuar a ocorrer nos próximos anos.
ARPEN/MA – A pandemia fez com que houvesse uma aceleração para realização dos serviços digitais?
Marcelo Martins Berthe – Sim. Muitos especialistas afirmam que a Covid-19 tem se constituído como um evento disruptivo de natureza global que significará um marco na transição do mundo analógico para o mundo digital/virtual. Evidentemente, que a velocidade da transformação digital é função das forças políticas, econômicas e sociais.
A realização de serviços digitais também nos conclama a refletir acerca do direito à autodeterminação informacional, alicerce de natureza constitucional a amparar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Podemos afirmar, sem dúvida, que o Poder Judiciário e o foro extrajudicial têm dedicado muito esforço e empenho em promover e aprimorar que esses direitos fundamentais sejam protegidos na realização dos serviços digitais.
ARPEN/MA – Como os cartórios do Maranhão estão recebendo essa transformação digital no meio judiciário?
Marcelo Martins Berthe – O estado do Maranhão sediou, recentemente, o 87º Encoge, cujo lema foi “Justiça 4.0: A transformação digital dos serviços do Judiciário brasileiro”, assim como o Conarci 2021 que, em sua programação, enfatizou alguns pontos que permitem perceber a importância acordada a essa transformação digital, assim como a eficiente participação dos oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, orquestrados pela Corregedoria-Geral de Justiça, na rede integrada de combate ao sub-registro civil, a evidenciar que os cartórios miram, com expectativa e esperança, a transformação digital do Poder Judiciário.
Fonte: Assessoria de Comunicação / Arpen/MA