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Migalhas – Artigo: Medida provisória 1.085: ponto positivo e sugestões de avanço – Por Alexandre Scigliano Valerio

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Introdução

Em 27 de dezembro de 2021, o Presidente da República adotou a Medida Provisória (MP) 1.085, cujo objeto, nos termos de seu art. 1º, são dispor sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP) e modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos registros públicos.

 

A MP traz várias e importantes mudanças ao direito registral brasileiro.

 

O objetivo deste artigo é ressaltar um ponto muito positivo do novo ato normativo, bem como realizar e explorar, ainda que de forma incipiente, sugestões para que se avance no objetivo de modernização e simplificação das notas e registros públicos1. 

 

Ponto positivo: o uso de assinaturas eletrônicas avançadas e a identificação do usuário

 

A Medida Provisória 2.200-2, que criou o certificado digital emitido pela “Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira” (ICP-Brasil), foi adotada em 24 de agosto de 2001, ou seja, há mais de vinte anos. Legalmente, e até hoje, o certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil é o “padrão-ouro” das assinaturas eletrônicas no Brasil (cf. art. 10, § 1º, da referida MP).

 

Os serviços notariais e registrais visam à segurança jurídica (art. 1º da Lei Federal 8.935/1994 e art. 1º, “caput”, da Lei Federal 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos ou LRP). A partir da previsão contida na Lei Federal 11.977/2009 (cf. arts. 37 a 41, 45 e 76), os serviços notariais e registrais têm-se valido, para a prática de atos eletrônicos, do certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil2.

 

Ocorre que o certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil é caro e difícil de usar. Não “pegou”. Afirma-se que nem é tão seguro. Segundo Lemos:

 

O certificado digital é […] uma tecnologia velha e inflexível. É vendida como mais segura, mas não é. Apenas 5 milhões de pessoas no Brasil (2,5% da população) têm um certificado digital. A maior parte dos demais 97,5% da população jamais terá dinheiro para comprar um.3

 

Recentemente, foram adotados vários atos normativos que avançam na questão da validade jurídica de documentos eletrônicos4. Merece destaque a Lei Federal 14.063/2020, cujo art. 4º define e classifica as assinaturas eletrônicas em três tipos: simples, avançada e qualificada. Elas possuem (nessa ordem) um nível de confiabilidade gradativo, sendo que a assinatura eletrônica qualificada é a que usa o certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil. Vale a pena a leitura dos arts. 4º, “caput” e § 1º, e 5º, “caput” e §§ 1º e 2º, da Lei5.

 

A MP cumpre, assim, dois objetivos:

 

a) inicia a regulamentação dos documentos eletrônicos nos serviços registrais, conforme previsto nos arts. 37 (em sua redação original), 38, “caput” (também em sua redação original), e 45 da Lei Federal 11.977/2009, bem como no art. 7º, § 1º, VII, da Lei Federal 14.129/2021; diz-se “inicia”, pois a própria MP, em seus arts. 7º e 15 (o último deu nova redação aos arts. 37 e 38 da Lei Federal 11.977/2019), transfere a competência para a regulamentação de seus dispositivos ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ);

 

b) atualiza a legislação específica dos registros públicos conforme os recentes atos normativos sobre documentos eletrônicos, expressamente admitindo o uso de assinaturas eletrônicas avançadas – embora, repita-se, a regulamentação tenha sido deixada a cargo do CNJ (art. 17, §§ 1º e 2º, da LRP, com a redação dada pelo art. 11 da MP; art. 38, “caput” e § 2º, da Lei Federal 11.977/2009, com a redação dada pelo art. 15 da MP).

 

Neste contexto, também merece destaque o art. 9º da MP, ao possibilitar que, “para verificação da identidade dos usuários dos registros públicos“, os oficiais de registro e também tabeliães possam acessar “as bases de dados de identificação civil, inclusive de identificação biométrica, dos institutos de identificação civil, das bases cadastrais da União, inclusive do Cadastro de Pessoas Físicas da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia e da Justiça Eleitoral“.

 

Esse importante dispositivo permitirá, com segurança jurídica, a identificação do usuário do serviço notarial e registral, livrando tanto os usuários como os notários e registradores dos problemas que envolvem o certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil. As bases de dados mencionadas no Artigo poderão ser utilizadas para que os usuários realizem a assinatura eletrônica avançada, conforme definida na Lei 14.063. A identificação pode ser, ainda, essencial para que os extratos eletrônicos, previstos no art. 6º da MP, sejam aptos à prática de atos registrais.

 

Plataforma gov.br 

 

Com a expressa admissão do uso de assinaturas eletrônicas avançadas nos serviços registrais, passa a ser juridicamente possível a utilização das assinaturas eletrônicas disponíveis através da Plataforma gov.br, conforme indicado pelo governo federal6.

 

A Plataforma gov.br, que nasceu com o nome “Plataforma de Cidadania Digital”, foi instituída pelo Decreto Federal 8.936/2016. Ela permitia o acesso do cidadão a serviços públicos (inicialmente federais), através de um “usuário” (número de inscrição no CPF) e senha. A novidade recente, grandemente despercebida (pouco ou sequer divulgada), foi a inclusão de uma ferramenta de assinatura eletrônica avançada na Plataforma. Juridicamente, isso ocorreu em consonância com o objetivo 12 da Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, anexa ao Decreto Federal 10.332/2020, e, mais especificamente, através dos arts. 5º e 6º do Decreto Federal 10.543/2020, e da inclusão do inciso IX no “caput” do art. 3º do já citado Decreto 8.936, ocorrida por força do Decreto Federal 10.900/2021.

 

Em consonância com os arts. 4º e 5º do Decreto 10.543, o usuário da Plataforma gov.br terá de um a três níveis de conta7:

 

a) Bronze, após cadastro ou validação de dados via Receita Federal, INSS ou Denatran (o Decreto exige “autodeclaração validada em bases de dados governamentais”), e que equivale a uma assinatura eletrônica simples;

 

b) Prata, após validação facial (via Denatran) ou de dados (via bancos credenciados ou SIGEPE) – (o Decreto exige “validação biométrica, biográfica ou documental”), e que permite a assinatura eletrônica avançada; e

 

c) Ouro, após validação facial (via Justiça Eleitoral) ou de dados (com uso de certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil), e que também permite a assinatura eletrônica avançada.

 

Após a obtenção do nível prata ou ouro, o cidadão pode assinar um documento com assinatura eletrônica avançada da seguinte forma8: a) acessando o site assinador.iti.br (via computador ou celular); b) fazendo o login na conta gov.br com seu número de inscrição no CPF e senha; c) carregando o documento a ser assinado; d) assinando o documento com o código enviado a seu celular (via SMS ou aplicativo gov.br, se instalado). O documento assinado pode, então, ser baixado, e a validade da assinatura avançada pode ser conferida no site verificador.iti.br (exatamente como já era possível no caso de assinatura qualificada).

 

A assinatura eletrônica avançada da Plataforma gov.br é gratuita e simples, uma vez que dispensa cartão ou token, a instalação de qualquer software que não seja o navegador e até mesmo o computador (o procedimento pode ser feito inteiramente pelo celular). Ela resolve, assim, os problemas do certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil. Há um grande potencial para efetiva popularização9 e solução do atual gargalo para a prestação eletrônica dos serviços notariais e registrais.

 

Sugestões de avanço 

 

Inclusão dos tabeliães de notas e protesto

 

A interpretação literal, o conjunto de todos seus dispositivos e a interpretação histórica (entidades consultadas na elaboração da MP10) levam à conclusão de que a MP 1.085, realmente, trata apenas os registros públicos, excluindo os tabeliães de notas e de protesto11.

 

Entretanto, a Constituição Federal, em vários dispositivos, utiliza a expressão “serviços notariais e de registro” (arts. 103-B, § 4º, III, e 236, “caput” e § 2º, bem como art. 32 do ADCT). Assim também o faz a Lei Federal 8.935/1994. Notários e registradores são (ambos) agentes públicos que conferem fé pública a atos e negócios jurídicos privados, garantindo, assim, sua publicidade, autenticidade, segurança e eficácia. O chamado Direito Notarial e Registral é, hoje, um evoluído microssistema jurídico com princípios e regras comuns.

 

Não se compreende, portanto, que a MP tenha por objeto apenas os registros públicos; o objetivo de modernizar e simplificar os procedimentos (art. 1º da MP) deve ser estendido àqueles que são de responsabilidade dos tabeliães de notas e de protesto12. A MP, a ser convertida em lei, deveria criar um verdadeiro “Sistema Eletrônico de Serviços Notariais e Registrais (e-SNR ou e-cartórios)”.

 

Um sistema ou plataforma unificada seria não só conveniente ao usuário do serviço, como também traria importantes sinergias às diferentes especialidades de serviços notariais e de registro, reforçando-as mutuamente. Um exemplo disso seria, justamente, a identificação segura do usuário. Um acesso unificado e válido para todos os serviços extrajudiciais eletrônicos, seja através dos pactos previstos no art. 9º da MP, seja, por exemplo, através do certificado digital notarizado (cf. Seção 3.2 abaixo), seria uma revolução para todo o sistema extrajudicial, com inegável proveito a todos os usuários. Outro exemplo seria o intercâmbio de documentos e informações entre um serviço notarial ou registral a outro: além do já conhecido envio de escrituras públicas aos ofícios de registro de imóveis, pode-se pensar no envio de documentos com firmas reconhecidas, ou suas cópias autenticadas, aos tabelionatos de protesto e ofícios de registro, no envio de certidões de protesto aos tabelionatos de notas e ofícios de registro etc.

 

Utilização do certificado digital notarizado para assinatura eletrônica em todos os serviços notariais e registrais

 

O certificado digital notarizado foi criado pelo Provimento CN-CNJ 100/2020. Ele é definido como “identidade digital de uma pessoa física ou jurídica, identificada presencialmente por um notário a quem se atribui fé pública” (art. 2º, II, do Provimento). Tal certificado é fornecido pelo tabelião de notas ao usuário, gratuitamente, por tempo determinado (três anos) e para uso exclusivo na plataforma e-Notariado e demais plataformas autorizadas pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB-CF) – (art. 9º, § 4º).

 

O certificado digital notarizado permite a assinatura eletrônica avançada (cf. arts. 2º, II e III, e 9º, “caput”, do Provimento). Considerando a expressa previsão de tal tipo de assinatura nos serviços registrais (Seção 2 acima), bem como nossa sugestão de inclusão dos tabeliães de notas e de protesto na MP (Seção 3.1 acima), ela própria, ou ato normativo regulamentador do CNJ, deveria deixar claro e estimular o uso do certificado digital notarizado para fins de prática de atos eletrônicos em todas as especialidades de serviços notariais e registrais.

 

Admissão da assinatura eletrônica simples

 

A Lei Federal 14.063/2020 prevê três tipos de assinaturas eletrônicas; já a MP exclui o uso de assinaturas eletrônicas simples (Seção 2 acima).

 

Sugere-se que requerimentos simples de atos notariais ou registrais, que não contenham nenhuma declaração jurídica relevante, possam ser feitos com uso de assinatura eletrônica simples13.

 

Em apoio a essa medida, considere-se o seguinte: (a) os atos de registro “stricto sensu”, no registro de imóveis, dispensam qualquer requerimento (art. 193 da LRP); (b) qualquer interessado pode solicitar a prática de atos notariais e registrais (cf. arts. 13, “caput”, II, 17, “caput”, e 217 da LRP); (c) a atenção do notário ou registrador deve estar na legalidade e autenticidade das declarações e documentos apresentados, e não no simples requerimento; (d) admitindo-se “c” como verdadeiro, o requerimento, em si, pode ser considerado como de baixo impacto, autorizando o uso de assinatura eletrônica simples, conforme regra posterior à LRP: art. 5º, § 1º, I, da Lei 14.063.

 

Confirmando “d’ acima, o Decreto 10.543, que regulamenta a Lei citada (a princípio, no âmbito da administração pública federal), admite o uso de assinaturas eletrônicas simples para solicitações, requerimentos e envio de documentos (art. 4º, “caput”, I, “a”, “c” e “e”).

 

A regra pode ser estendida, inclusive, para declarações jurídicas de baixo impacto: imagine-se a declaração de primeiro domicílio conjugal, para fixar a competência do registro do pacto antenupcial nos ofícios de registro de imóveis.

 

Instituição da videoconferência notarial e registral 

 

Afirma-se que a MP possibilitará que os pais promovam o registro do nascimento de seus filhos sem ir ao cartório14. Para tanto, seria interessante prever, já na MP, a possibilidade de videoconferência, que também poderá ser regulamentada pelo CNJ, nos termos de seu art. 7º.

 

Precedente(s): Provimento CN-CNJ 100/2020 (cf. arts. 2º, V, 3º, “caput”, I e parágrafo único, 4º, 9º, § 3º, 10, IV, 17, parágrafo único, 23, “caput”, IV e § 2º, e 25). A videoconferência já é regulamentada para os tabeliães de notas e deve ser estendida a todos os oficiais de registro e aos tabeliães de protesto.

 

Admissão expressa de documentos (físicos ou eletrônicos), mesmo que não assinados, mas cujo inteiro teor ou autenticidade possam ser confirmados via Internet, em sites oficiais ou idôneos

 

Também seria interessante que a MP, ou ao menos a regulamentação a ser expedida pelo CNJ, expressamente confira validade jurídica a documentos, físicos ou eletrônicos, cujo inteiro teor ou autenticidade possam ser confirmados via Internet, em sites oficiais ou idôneos, mesmo que não contenham nenhum tipo de assinatura. Existem vários exemplos de documentos que se beneficiariam de tal previsão: certidões de débitos fiscais, comprovantes de inscrição no CPF ou CNPJ, documentos de processos judiciais, publicações em diários oficiais, demonstrativos do Cadastro Ambiental Rural (CAR), Certificados de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), anotações de responsabilidade técnica etc.

 

Precedente(s): art. 4º, § 1º, VI, do Provimento CN-CNJ 94/2020; art. 6º, § 1º, IV, do Provimento CN-CNJ 95/2020 c/c art. 2º do Provimento CN-CNJ 97/2020.

 

Admissão de documentos eletrônicos resultantes da digitalização de documentos físicos cujas firmas sejam reconhecidas ou cujas cópias sejam autenticadas por notários e registradores para fins exclusivos de prática de ato próprio do serviço do qual são titulares e que sejam por eles assinados eletronicamente 

 

Todos os notários e registradores são dotados de fé pública (art. 3º da Lei Federal 8.935/1994). A todos eles, portanto, deve ser reconhecida a possibilidade de praticar atos equivalentes a “reconhecimento de firma” ou “autenticação de cópia de documento”, desde que exclusivamente para fins internos do serviço do qual sejam titulares.

 

Na verdade, esta sugestão vale para o procedimento tanto físico como eletrônico: no caso de procedimento físico, o notário ou registrador lança, no documento original ou em sua cópia, respectivamente, os termos de “assinatura presencial” ou “conferência com o original”, nele apondo seu sinal público; no caso de procedimento eletrônico, o notário ou registrador irá, também e em seguida, digitalizar o documento e assinar o arquivo resultante com sua assinatura eletrônica qualificada (certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil); após, o documento ser-lhe-á formalmente apresentado para a prática do ato notarial ou registral.

 

Exemplos: usuário e responsável técnico apresentam uma declaração de responsabilidade (declaração jurídica relevante) em procedimento de inserção ou alteração de medidas perimetrais de imóvel e assinam-na no balcão do ofício de registro de imóveis competente; o credor assina uma carta de anuência no balcão do tabelionato de protesto competente.

 

Precedente(s): arts. 3º, § 2º, e 4º, “caput”, do Provimento CN-CNJ 28/2013; art. 11, § 2º, do Provimento CN-CNJ 63/2017; art. 4º, § 1º, V, do Provimento CN-CNJ 94/2020; art. 6º, § 1º, III, do Provimento CN-CNJ 95/2020 c/c art. 2º do Provimento CN-CNJ 97/2020; arts. 925, parágrafo único, e 928, § 1º, do Código de Normas dos serviços notariais e de registro de Minas Gerais (Provimento Conjunto 93/2020)15.

 

Admissão de documentos já apresentados a notários e registradores em sua forma física original, que contêm selo de fiscalização ou autenticidade verificável via Internet e que são reapresentados de forma eletrônica

 

Trata-se de uma possibilidade a ser estudada, em prol da simplificação do serviço notarial e registral, e também baseada no art. 3º da Lei Federal 8.935/1994, que confere fé pública a todos os notários e registradores. Vamos expô-la em etapas: 1) o documento, físico, foi apresentado a um notário ou registrador – por exemplo, a um tabelião de notas para reconhecimento de firma ou autenticação de cópia, ou a um oficial de registro de títulos e documentos para registro; 2) o ato foi praticado e foi aposto, no documento físico, o selo de fiscalização ou autenticidade previsto em ato normativo estadual; 3) o documento é digitalizado pelo usuário e apresentado de forma eletrônica ao (mesmo ou outro) notário ou registrador para a prática de um segundo ato. Cumpridas essas premissas, o notário ou registrador responsável pela prática do segundo ato poderia confirmar, via Internet (no site do tribunal de justiça ou da entidade responsável pelo selo) a autenticidade do selo já aposto no documento – observe-se que, em alguns Estados, a confirmação da autenticidade inclui dados sobre o ato praticado e a pessoa relacionada ao documento. Haveria, assim, segurança sobre a autenticidade do documento físico digitalizado, permitindo a prática do segundo ato, agora eletrônico.

 

Exemplo: um tabelião de protesto poderia aceitar uma digitalização simples de uma carta de anuência com firma reconhecida do credor e selo de autenticidade, desde que confirmasse referido selo via Internet.

 

Admissão de documentos, mesmo que não sejam de autoria do requerente, se apresentados de forma eletrônica, com sua assinatura eletrônica e sob sua responsabilidade (atribuída genericamente por lei ou ato normativo ou declarada especificamente, também de forma eletrônica e com sua assinatura eletrônica)

 

Embora a sugestão possa parecer “disruptiva”, ela já encontra alguma fundamentação legal e, inclusive, precedentes.

 

De acordo com esta sugestão, a ser mais bem estudada, o usuário, após previamente identificado no sistema eletrônico, apresentaria documentos digitalizados de forma simples, tornando-se – seja por disposição expressa de lei ou ato normativo, seja mediante assinatura de termo de responsabilidade eletrônico específico – responsável pela autenticidade dos documentos, que seria, então, presumida.

 

Precedente(s)

 

Dispõe o art. 26 da Lei Federal 14.129/2021 [“Lei do Governo Digital”, válida para a União, podendo ser estendida para Estados, Municípios e Distrito Federal “desde que adotem os comandos [da] Lei por meio de atos normativos próprios” (cf. art. 2º, “caput”, III)] que “presume-se a autenticidade de documentos apresentados por usuários dos serviços públicos ofertados por meios digitais, desde que o envio seja assinado eletronicamente”.[16]

 

No caso de processos judiciais, documentos digitalizados por advogados, procuradores, promotores e defensores públicos e juntados aos autos eletrônicos presumem-se autênticos (art. 425, “caput”, VI, do CPC; a norma ressalva “a alegação motivada e fundamentada de adulteração”).

 

Um precedente específico nos serviços notariais e registrais é a apresentação eletrônica de título ou documento de dívida a protesto: a apresentação pode dar-se “mediante simples indicação do apresentante”, desde que ele declare sua responsabilidade (cf. art. 2º, § 1

 

o apresentante de um extrato eletrônico poderá, a seu critério, solicitar o arquivamento eletrônico da íntegra do instrumento contratual que deu origem ao extrato, desde que também apresente “declaração, assinada eletronicamente, de que corresponde ao original firmado pelas partes”.

 

Ressalvas

 

Exigência de assinatura eletrônica qualificada (com uso de certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil) 

 

A Lei exige o uso de assinatura eletrônica qualificada (certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil) nos “atos de transferência e de registro de bens imóveis” (art. 5º, § 2º, IV, da Lei 14.063). Já o art. 17, § 2º, da LRP, com a redação dada pelo art. 11 da MP, bem como o art. 38, § 2º, da Lei 11.977, com a redação dada pelo art. 15 da MP, dispõem que “ato da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça poderá estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos envolvendo imóveis”.

 

Numa interpretação sistemática, em que se leva em consideração o art. 108 do Código Civil, deveria ser exigida assinatura qualificada em todos os documentos, públicos ou particulares, independentemente do valor, que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, se apresentados de forma eletrônica. Nos demais casos, deveria ser possível o uso de assinatura eletrônica avançada.

 

A regra que obriga o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas em determinadas hipóteses deve prevalecer sempre que estiver em conflito com as sugestões acima apresentadas. 

 

Afastamento dos requisitos do Decreto Federal 10.278/2020 

 

Adotando-se uma ou mais das sugestões acima, e diante de uma previsão expressa em lei (fruto de conversão da MP) ou ato normativo (fruto de regulamentação pelo CNJ), específica para os serviços notariais e registrais, poder-se-iam afastar os rígidos requisitos previstos no Decreto Federal 10.278/2020 para a validade de documentos digitalizados [diversos metadados, inclusive “hash (checksum) da imagem”].

 

Em prol da modernização e simplificação dos procedimentos notariais e registrais, tal afastamento é desejável, seja a digitalização realizada por notário ou registrador, seja pelo usuário. Na digitalização realizada pelo usuário, invoca-se, novamente, o art. 26 da Lei 14.129/2021 (bem como o art. 2º, “caput”, II, da Lei Federal 13.874/2019). Na digitalização realizada por notário ou registrador, além de dever prevalecer sua fé pública (art. 3º da Lei Federal 8.935/1994), invocam-se as normas especiais válidas para os tabeliães de protesto (art. 39 da Lei Federal 9.492/1997) e de notas (art. 31 do Provimento CN-CNJ 100/2020).

 

Observe-se que o art. 194 da LRP, com a redação dada pelo art. 11 da MP, atribui validade à digitalização de títulos físicos “nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça”. Ou seja, a CN-CNJ pode estabelecer requisitos menos rígidos do que os do Decreto mencionado.

 

Dúvida do notário ou registrador e a necessária segurança jurídica 

 

O serviço notarial e registral visa à publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (art. 1º da Lei Federal 8.935/1994 e art. 1º, “caput”, da Lei Federal 6.015/1973). Assim, em qualquer caso, o notário ou registrador poderá realizar diligência para a confirmação de autenticidade do documento que lhe foi apresentado, por qualquer meio cabível. Havendo suspeita razoável sobre sua inautenticidade, deve ser ressalvado ao notário ou registrador o poder-dever de solicitar esclarecimentos ao requerente do ato ou a apresentação do documento de outra forma, sobrestando o procedimento. Não se conformando o usuário com a recusa ou exigência, poderá ser deflagrado o procedimento de suscitação de dúvida.

 

Precedente(s): Arts. 1º, § 1º, e 2º, § 4º, do Provimento CN-CNJ 93/2020; art. 9º do Provimento CN-CNJ 94/2020; art. 8º do Provimento CN-CNJ 95/2020.

 

Considerações finais 

 

É sabido que a Internet, potencializada pelos smartphones, promoveu uma verdadeira revolução em nossa sociedade. Hoje, o que todo consumidor ou usuário de serviço público deseja é ser atendido em sua casa ou trabalho, sem deslocamento ao fornecedor do produto ou serviço desejado.

 

Sem prejuízo de suas importantes funções, é urgente que os serviços notariais e registrais adequem-se à nova realidade.

 

Assim, é louvável o objetivo de modernizar e simplificar os procedimentos registrais, constante na MP 1.085/2021.

 

O presente artigo contém algumas sugestões que podem ser aproveitadas no trâmite de conversão em lei da MP ou em sua regulamentação pelo CNJ. São sugestões iniciais que, naturalmente, merecem discussão e aprofundamento.

 

Notas

 

1 O presente artigo baseia-se em outro, elaborado por ocasião de nosso Mestrado em Direito, Sociedade e Tecnologias nas Faculdades Londrina, intitulado “Alternativas ao uso do certificado digital emitido pela ICP-Brasil para acesso inclusivo aos serviços notariais e registrais eletrônicos“, concluído em 31 de outubro de 2021 – antes, portanto, da adoção da MP 1.085 – e ainda não publicado. O presente artigo também reforça as proposições que fizemos e que foram integralmente adotadas pela deputada federal Luisa Canziani (PTB-PR), que compõe o Grupo de Trabalho sobre reforma dos cartórios (GTCARTOR), criado pela Câmara dos Deputados por Ato de seu Presidente em 13 de julho de 2021. As proposições estão disponíveis aqui. As conclusões farão parte de nossa dissertação de mestrado sobre a prestação de serviços notariais e registrais de forma eletrônica.

 

2 Recentemente, o Provimento 100/2020, da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CN-CNJ), criou um certificado digital, não emitido pela ICP-Brasil, para uso exclusivo perante os tabeliães de notas.

 

3 LEMOS, Ronaldo. Lei aprovada é contra o GovTech. Folha de S.Paulo, São Paulo, 28 mar. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022. Os números ainda são atuais. Confira: BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). ITI em números. Atualizado em 30/01/2022 às 19:00. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

4 Além do Código de Processo Civil de 2015 (cf. art. 411, II), foram adotados: a) a Lei Federal 13.874/2019 (cf. arts. 3º, “caput”, X, 10, 12 e 18); b) o Decreto Federal 10.278/2020; c) a Lei Federal 14.063/2020; d) a Lei Federal 14.129/2021 (cf. arts. 5º, parágrafo único, 7º, 11 e 26). Especificamente no que tange aos atos notariais e registrais eletrônicos, é obrigatório citar a Lei Federal 11.977/2009 (cf. arts. 37 a 41, 45 e 76), o Código de Processo Civil de 2015 (cf. art. 193, parágrafo único), a Lei Federal 13.465/2017 (cf. art. 76) e a Lei Federal 13.775/2018 (cf. art. 8º). Além disso, diversos atos normativos da CN-CNJ dispuseram sobre as centrais de serviços eletrônicos de todas as especialidades de serviços notariais e registrais, nomeadamente: Provimentos 18/2012 (notas), 46/2015 (registro civil das pessoas naturais), 48/2016 (registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas), 87/2019 (protesto), 89/2019 (registro de imóveis) e 100/2020 (notas).

 

5 “Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em: I – assinatura eletrônica simples: a) a que permite identificar o seu signatário; b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário; II – assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: a) está associada ao signatário de maneira unívoca; b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável; III – assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. § 1º Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos. […] Art. 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. § 1º O ato de que trata o caput deste artigo observará o seguinte: I – a assinatura eletrônica simples poderá ser admitida nas interações com ente público de menor impacto e que não envolvam informações protegidas por grau de sigilo; II – a assinatura eletrônica avançada poderá ser admitida, inclusive: a) nas hipóteses de que trata o inciso I deste parágrafo; b) (VETADO); c) no registro de atos perante as juntas comerciais; III – a assinatura eletrônica qualificada será admitida em qualquer interação eletrônica com ente público, independentemente de cadastramento prévio, inclusive nas hipóteses mencionadas nos incisos I e II deste parágrafo. § 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: I – nos atos assinados por chefes de Poder, por Ministros de Estado ou por titulares de Poder ou de órgão constitucionalmente autônomo de ente federativo; II – (VETADO); III – nas emissões de notas fiscais eletrônicas, com exceção daquelas cujos emitentes sejam pessoas físicas ou Microempreendedores Individuais (MEIs), situações em que o uso torna-se facultativo; IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo; V – (VETADO); VI – nas demais hipóteses previstas em lei. […]“.

 

6 BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria de Política Econômica. Nota informativa: Sistema Eletrônico de Registros Públicos – Serp (Medida Provisória nº 1.085, de 2021). 4 jan. 2022. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

7 BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Secretaria de Governo Digital. Saiba mais sobre os níveis da conta gov.br. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

8 BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Secretaria de Governo Digital. Assinatura Eletrônica do gov.br. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

9 Segundo recente reportagem, a Plataforma gov.br contava com 117 milhões de usuários cadastrados em novembro de 2021 – número mais de vinte vezes maior do que o de usuários de certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil: cf. PANDEMIA acelera oferta de serviços públicos digitais, que já passam dos 3.400; veja exemplos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 jan. 2022. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

10 Digna de nota é a ausência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN Brasil), mesmo a MP tendo alterado as disposições gerais da LRP.

 

11 Os tabeliães de notas são mencionados apenas nos arts. 3º, “caput”, VII, “b”, e 9º, enquanto os tabeliães de protesto são mencionados apenas no art. 3º, “caput”, X, “c”, 1.

 

12 Nesse sentido, confira-se o art. 6º do Provimento CN-CNJ 95/2020, que dispõe sobre a recepção de títulos nato-digitais e digitalizados e abrange, indistintamente, “todos os oficiais de registro e tabeliães”.

 

13 Defendemos que regra semelhante valha também para os procedimentos físicos: requerimentos simples de atos notariais ou registrais, que não contenham declaração jurídica relevante, devem poder ser feitos por escrito, por qualquer interessado, através da mera indicação de seus dados, não se exigindo reconhecimento de firma ou qualquer outra formalidade; exigir-se-ia, no máximo, a apresentação de documento de identidade com foto.

 

14 Entrevista concedida em 28 de dezembro de 2021 pelo secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, à CNN. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

15 “Art. 925. Admite-se a prática de atos de averbação e cancelamento por meio de cópia autenticada do título por tabelião de notas. Parágrafo único. Caso o título original seja apresentado diretamente ao oficial de registro ou preposto autorizado, este poderá conferi-lo com cópia reprográfica exibida pelo apresentante e declará-la autêntica, utilizando-a para a prática da averbação ou cancelamento. […] Art. 928. As averbações de mudança de denominação e de numeração dos prédios, da edificação, da reconstrução, da demolição, do desmembramento e do loteamento de imóveis, bem como da alteração do nome por casamento ou por separação ou divórcio, serão feitas a requerimento dos interessados, com firma reconhecida, e instruídas com documento comprobatório fornecido pela autoridade competente. § 1º O reconhecimento de firma previsto no caput deste artigo, bem como nos demais requerimentos de averbação, fica dispensado quando o requerimento for firmado pelo interessado na presença do oficial de registro ou de seu preposto. § 2º Exceto os requerimentos previstos no caput deste artigo e quando expressamente previsto na legislação, os demais casos de averbação prescindem de requerimento assinado por interessado e de reconhecimento de firma.“.

 

16 Cf. ainda a Lei Federal 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica), que adota, como princípio, a “boa-fé do particular perante o poder público” (art. 2º, “caput”, II).

 

*Alexandre Scigliano Valerio é doutor em Direito Econômico pela UFMG. Mestrando em Direito, Sociedade e Tecnologias pelas Faculdades Londrina. Especialista em Direito Notarial e Registral e Direito Registral Imobiliário. 1º Tabelião de Protesto de Maringá/PR.

 

Fonte: Migalhas

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