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‘Este era o sonho dele’, diz mãe de homem trans que se tornou 2º caso no país de retificação de nome após a morte

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Demétrio Campos teve vida marcada pela luta contra o racismo e a transfobia. Requalificação civil aconteceu em mutirão da Defensoria Pública realizado no Dia do Orgulho LGBTQIAP+

Às vezes, o papel que documenta uma vida documenta também a História. No caso de Demétrio Campos, jovem negro e trans que morreu em 2020, o papel é a sentença do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que transformou seu nome verdadeiro — não o nome que recebeu ao nascer, mas o nome que seus parentes e amigos usavam para lhe transmitir amor, e que deu signo a uma existência de luta e coragem — em seu nome de registro civil. No Dia do Orgulho LGBTQIAP+, num mutirão de requalificação civil realizado pela Defensoria Pública do Rio, Demétrio se tornou a segunda pessoa no Brasil a receber retificação de nome após a morte.

— Estou muito feliz. Este era o sonho dele, e hoje eu o realizei — disse a mãe de Demétrio, Ivoni Campos, de 43 anos, momentos após a assinatura da sentença, nesta terça-feira.

Demétrio nasceu em Tamoios, distrito de Cabo Frio, na Região dos Lagos, onde Ivoni vive. Apesar de todas as barreiras que a sociedade poderia impor a alguém como ele, decidiu ganhar o mundo com apenas de 19 anos, quando se mudou para São Paulo com o sonho de trabalhar como modelo. De espírito alegre, gregário e amoroso, fazia amigos e fãs por onde passava. Em sua trajetória, ergueu a voz não só contra a transfobia, mas também contra o racismo — dois males dos quais o jovem foi vítima incontáveis vezes, conta a mãe.

— Ele já foi agredido. Em um dos casos, quase quebraram as costelas dele. E não é só isso: sendo trans, você é desrespeitado em qualquer ambiente. Você vai ao médico e é chamado pelo seu nome morto. Tudo isso são fagulhas de sofrimento que te fazem adoecer — relata Ivoni. — Ele era bem tratado por mim e pela família. O que o maltratava era o racismo e a transfobia. É muita depressão, muita solidão. Como você vai viver se ninguém te aceita, se você é engatilhado a todo momento?

Na adolescência, os sucessivos traumas causados pelo ódio culminaram numa depressão. Foram cinco anos de idas a consultórios médicos, conta a mãe. Nesse meio-tempo, vivendo em São Paulo, o jovem se deparou com outras formas da transfobia e do racismo — algumas mais sutis, mas não menos danosas.

— Ele foi para lá em 2017. Tinha muita esperança de viver, de ver. Tudo para ele era uma descoberta. Uma vez ele me ligou às 4h para dizer que tinha comido sushi. Mas a experiência em São Paulo acabou sendo muito dura. Os trabalhos de modelo eram todos dados para homens cis e brancos. Ele não conseguia trabalho. Era muito angustiante. Não tinha oportunidade para ele — diz Ivoni.

Até que veio a pandemia de Covid-19. Um período cruel para muitos, especialmente para as populações negra e LGBTQIAP+. Sem trabalho, Demétrio teve de voltar para a casa da mãe, contrariando sua busca pela independência financeira. Como resultado das injustiças e violências experimentadas ao longo de seus 23 anos, de uma depressão causada e agravada por problemas de natureza social, Demétrio tirou a própria vida.

Trata-se, na visão de lideranças de LGBTQIAP+, de uma pessoa que não se suicidou, mas “foi suicidada”.

— A pandemia teve um efeito: houve muitas pessoas LGBTQIAP+ que foram suicidadas. Pessoas que foram desamparadas pelo Estado. Muitos passando fome, necessidade. Ninguém aguenta — opina Ivoni.

Depois da morte do filho, Ivoni se destacou como participante ativa da luta antirracista e defensora da população LGBTQIAP+. Ela passou a publicar no perfil de Instagram de Demétrio, acolhido como espaço de homenagem e pertencimento por pessoas trans, hoje com 17 mil seguidores.

— Dizem que eu sou forte, mas digo que não sou forte, eu mesma sou muito fraca. Minha força vem da vontade de fazer um país mais forte, mais justo. Por causa do Demétrio, que trazia todos os amigos para casa, a maioria das minhas amigas hoje é travesti. A gente era amigo, confidente. Eu tinha a senha de todas as redes sociais dele — lembra ela.

Para Ivoni, a requalificação do registro civil de Demétrio é uma maneira de honrar uma existência que marcou a história de toda uma comunidade:

— A gente estava dando entrada nos trâmites para conseguir fazer a requalificação. Agora isso finalmente se concretizou.

Invisibilidade

De acordo com Mirela Assad, coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual da Defensoria (Nudiversis), são comuns os casos de pessoas trans que morrem sem terem feito a retificação do nome nos registros civis.

— É apagada toda uma existência, toda uma história de luta. Por isso é importante realizar a qualificação — pontua a defensora.

Em maio deste ano, a Defensoria Pública do Rio conquistou uma decisão judicial inédita que garantiu a à jovem Samantha, moradora de Valença, no sul do estado, morta aos 18 anos, o direito de ser oficialmente referida pelo seu nome após a morte.

Para assegurar que as pessoas trans sejam reconhecidas nos cartórios pela maneira como se identificam, o órgão realiza mutirões de requalificação civil em parceria com a Justiça Itinerante. A última edição, ocorrida nesta terça-feira, aconteceu na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O serviço foi oferecido a 100 participantes pré-inscritos, com a presença de três juízes e um promotor.

O evento foi procurado até por pessoas de fora da cidade do Rio. A estudante de nutrição Isis dos Santos de Oliveira, de 23 anos, veio de Barra Mansa, sul do estado.

— Vim porque, no interior, encontrar esse serviço é muito mais difícil. A retificação era tudo de que eu precisava para conseguir um serviço. Só não comecei a trabalhar porque ainda não tinha feito a requalificação — conta.

Fonte: O Globo

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