A advogada especialista em Direito Digital e Data Protection Officer, Rayana Sotão, concedeu uma entrevista exclusiva à ARPENMA para falar sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados nos serviços registrais maranhenses

No atual cenário digital e tecnológico, a proteção dos dados pessoais tornou-se um tema de relevância global. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018, que entrou em vigor em setembro de 2020, é um marco regulatório essencial que desempenha um papel indispensável na garantia da privacidade e segurança das informações pessoais dos cidadãos. Entre as instituições que precisam se adequar a essa nova realidade, estão as serventias extrajudiciais de Registro Civil de Pessoas Naturais, cuja missão é manter registros vitais e identificações dos brasileiros.
Para tratar sobre esse relevante assunto, a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Maranhão – ARPENMA realizou uma entrevista exclusiva com a advogada especialista em Direito Digital e Data Protection Officer, Rayana Sotão. A advogada também é sócia fundadora do Sotão Advocacia, mestre em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), membro do Comitê Jurídico da ANPPD e consultora em Privacidade e Proteção de Dados.
Confira a íntegra da entrevista abaixo:
1. ARPENMA – Qual a importância da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no quesito proteção para a nossa sociedade?
Rayana Sotão – Vivemos em uma sociedade onde dado pessoal é sinônimo de poder!
Isso porque, os dados pessoais, além de identificarem pessoas, falam muito sobre elas. Identificam seus desejos, suas inclinações de consumo, suas vulnerabilidades, suas identidades político-ideológicas, etc.
Portanto, falar de proteção de dados na sociedade da informação é falar, em amplo espectro, de dignidade da pessoa humana e, objetivamente, de garantia da segurança do titular.
Dignidade da pessoa humana pelo fato dos dados pessoais revelarem a privacidade do titular, assim como por serem estes uma ferramenta de respeito ou discriminação, a depender de como sejam manejados. Segurança, por inúmeras razões, dentre as quais estão o assédio de consumo, a criação de armadilhas para golpes digitais, fraudes eletrônicas, dentre outros.
Dessa forma, observamos que o mundo inteiro se movimenta para garantir a proteção de dados pessoais, tornando este um requisito de sobrevivência no mercado e, também, um atributo de marca. Hoje, no Brasil, com a LGPD em vigor, a preocupação com a proteção de dados é, ainda, cumprimento de obrigação legal.
2. ARPENMA – A LGPD entrou em vigor para garantir mais segurança e privacidade aos dados pessoais dos brasileiros. O que são considerados dados pessoais?
Rayana Sotão – Como dito acima, os dados pessoais são informações que identificam pessoas naturais, ou seja, podem tanto ser dados diretos – que identificam uma pessoa imediata e exclusivamente, como é o caso do CPF – como também podem ser dados pessoais indiretos – aqueles que precisam ser cruzados com outras informações para que seja possível a identificação do titular, como é o caso do endereço residencial ou placa de um veículo. Ademais, os dados pessoais conseguem identificar informações sobre os titulares, como seus desejos, suas inclinações de consumo, suas vulnerabilidades, suas identidades político-ideológicas, etc. e, por isso, é tão importante a sua proteção.
3. ARPENMA – Como a LGPD impacta nos tratamentos de dados pessoais promovidos por serventias extrajudiciais, em especial, as de Registro Civil de Pessoas Naturais?
Rayana Sotão – As serventias extrajudiciais são verdadeiros bancos de dados e, por isso, são tão impactadas pelas exigências da LGPD. Com a legislação e o Provimento 134 do CNJ, coube ao registrador civil um zelo ainda maior pela segurança e governança de dados pessoais na serventia, o que significa conciliar a necessária e legítima publicidade notarial e registral com o direito individual à privacidade, garantido por nossa Constituição Federal. Essa desafiadora missão faz necessário revisitar o conceito de interesse público, pois é a partir dessa compreensão e coerência que alcançaremos segurança jurídica no tratamento de dados pessoais nas serventias extrajudiciais de nossa sociedade.
É importante destacar que o objetivo da LGPD não é trazer obstáculos e burocracias para as serventias, mas sim gerenciar riscos e fortalecer ainda mais o papel de amálgama de credibilidade que as serventias possuem.
Portanto, é fundamental treinar as pessoas, mapear os processos internos, estabelecer e monitorar novas regras de privacidade e proteção de dados e estar sempre habilitado para a prestação de contas sobre a governança existente na serventia.
4. ARPENMA – Quais são as principais mudanças que os cartórios precisam fazer em suas práticas para a plena adequação à LGPD?
Rayana Sotão – Como dito acima, é fundamental treinar as pessoas, mapear os processos internos, estabelecer e monitorar novas regras de privacidade e proteção de dados e estar sempre habilitado para a prestação de contas sobre a governança existente na serventia.
A Lei Geral de Proteção de Dados é uma legislação pró titular e a demonstração de seu cumprimento consiste exatamente na prestação de contas que evidencie essa preocupação.
Perceba: do que adianta a serventia produzir inúmeros documentos – termos e políticas – sobre proteção de dados e não ter uma rotina coerente com o que está pactuado?
Por isso, além de produzir os documentos exigidos pela legislação, adequar os contratos, diligenciar com os operadores, prestadores de serviços e funcionários sobre a adequação do tratamento de dados por estes realizado, é fundamental treinar as pessoas, mapear o ciclo de vida dos dados pessoais, construir regras personalizadas às necessidades e possibilidades de cada serventia e não esquecer de nomear o Encarregado de Dados.
5. ARPENMA – De que forma a participação de consultorias especializadas no tema pode facilitar o trabalho dos cartórios dentro da lei?
Rayana Sotão – A Consultoria especializada é fundamental para o processo de adequação das serventias por possibilitar uma análise personalizada à realidade do Cartório.
Como dito, de nada adiantam documentos distantes da rotina da Serventia e, como existem múltiplas realidades nos cartórios, que vão desde a diferença de arrecadação, complexidade dos atos oficiais, sensibilidade dos dados pessoais tratados, qualificação de equipes, disponibilidade de recursos pessoais e tecnológicos, etc., é impossível que modelos padronizados contemplem as peculiaridades de cada cartório.
Após um processo cuidadoso de implementação do programa de privacidade e proteção de dados na serventia, acompanhado de treinamentos e do aumento de compreensão da equipe sobre as exigências da lei – pois sim! A legislação é recente, muito específica e contraintuitiva, razão pela qual o desconhecimento se apresenta como um grande desafio às adequações – é possível a realização de um monitoramento com auxílio de plataformas; mas o momento inicial com a atenção devida e olhar especializado da consultoria, é indispensável.
Neste sentido, é importante reforçar que o processo de adequação à LGPD não se dá de forma automática ou mesmo unilateral e imediata. É preciso investir com seriedade e compromisso na segurança da informação, treinamento e conscientização de pessoas, adequação de contratos e implementação de políticas e termos para estabelecer novos compromissos para todos os agentes de tratamento.
Fonte: Assessoria de Comunicação ARPENMA.